Segue a carta na íntegra para consulta!
Osório de Oliveira
Estava pra lhe mandar antes dois livros e lhe escrever umas
linhas quando sua carta e presença chegaram. Hoje. Também aqui fiquei com minhas
saudades de você e Raquel Bastos. Mas de mim sua ficaram também as amarguras, o
que tornará sem dúvida, não direi mais felizes, mas certamente mais calmas as
suas saudades. É certo que nós do Brasil não fizemos por vocês tudo o que vocês
mereciam. Mas... para quando as artes? ... Você viu, pode perceber claro, não
se busca mais aqui ver nas artes o sentido da vida, da terra ou da raça, nem mesmo
se procura mais nas artes pelo menos um reflexo da vida. O brasileiro está
criando mitos. Ditaduras, nordestinismo, verdadeiro Brasil, separatismo. E desses
mitos detestáveis e inecessários, não é, como dos mitos antigo, que as artes
vão se alimentar. Se alimentarão quando muito os artífices. Não estou me
referindo a mim quem pessoalmente, você me compreende, estou apenas agravado
por esta amargura de você não ter realizado aqui tudo o que pretendia. Mas para
quando as artes?...
Este livro lhe mando só por causa do artigo sobre o Fado.
Não leia o mais, não vale a pena. É coisa realmente impressa em livro pra que
eu possa presentear alunos, a quem a paisagem deste briguento e sonoro
idealista possa de alguma forma ensinar. Bibliografia pequena e fraca sobre o
Fado você dirá com razão. Mas não se esqueça que a culpa não é minha. Outra bibliografia
não era conseguível aqui, nem mesmo mandando buscar, como mandei. Você
viu e ouviu: não me descuido em instante de aumentar minha bibliografia
portuguesa, mas é mais fácil obter manuscritos copiados na Holanda ou no Japão,
que algum livro menos comum, impresso em Portugal. As livrarias se recusam a
procurar. Vocês portugueses, e nós de herança, queremos ganhar muito dinheiro
num gasto só, mas o ajuntando de hora em hora, não. Não sei de onde que maluco
foi dizer em língua russa que “vintém poupado, vintém ganho”. Isso não será pra
nós, donos de outra e mais rápidas filosofias.
E agora ajunte calma pra me escrever mais longamente, mate
saudades, como se dis. Mate as minhas, que na sua letra escuto sua voz e a voz,
doce murmúrio, de Raquel Bastos ao lado, conversando. Se for completa a
intimidade assim e me abranda os abraços deste ano de trabalho formidável.
Com a amizade verdadeira
Do
Mário de Andrade
S. Paulo
12/III/34
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