Carta Inédita de Mário de Andrade!

 


Nesta primeira edição de Música, Doce Música, de 1933, há uma carta, até então, inédita de Mário de Andrade para seu amigo português Osório de Oliveira.
Fiz a transcrição do manuscrito da melhor maneira que me foi possível. Segue imagens original do exemplar e, após ele, o texto original da carta conforme pude entender.




Segue a carta na íntegra para consulta!

 

Osório de Oliveira

Estava pra lhe mandar antes dois livros e lhe escrever umas linhas quando sua carta e presença chegaram. Hoje. Também aqui fiquei com minhas saudades de você e Raquel Bastos. Mas de mim sua ficaram também as amarguras, o que tornará sem dúvida, não direi mais felizes, mas certamente mais calmas as suas saudades. É certo que nós do Brasil não fizemos por vocês tudo o que vocês mereciam. Mas... para quando as artes? ... Você viu, pode perceber claro, não se busca mais aqui ver nas artes o sentido da vida, da terra ou da raça, nem mesmo se procura mais nas artes pelo menos um reflexo da vida. O brasileiro está criando mitos. Ditaduras, nordestinismo, verdadeiro Brasil, separatismo. E desses mitos detestáveis e inecessários, não é, como dos mitos antigo, que as artes vão se alimentar. Se alimentarão quando muito os artífices. Não estou me referindo a mim quem pessoalmente, você me compreende, estou apenas agravado por esta amargura de você não ter realizado aqui tudo o que pretendia. Mas para quando as artes?...

Este livro lhe mando só por causa do artigo sobre o Fado. Não leia o mais, não vale a pena. É coisa realmente impressa em livro pra que eu possa presentear alunos, a quem a paisagem deste briguento e sonoro idealista possa de alguma forma ensinar. Bibliografia pequena e fraca sobre o Fado você dirá com razão. Mas não se esqueça que a culpa não é minha. Outra bibliografia não era conseguível aqui, nem mesmo mandando buscar, como mandei. Você viu e ouviu: não me descuido em instante de aumentar minha bibliografia portuguesa, mas é mais fácil obter manuscritos copiados na Holanda ou no Japão, que algum livro menos comum, impresso em Portugal. As livrarias se recusam a procurar. Vocês portugueses, e nós de herança, queremos ganhar muito dinheiro num gasto só, mas o ajuntando de hora em hora, não. Não sei de onde que maluco foi dizer em língua russa que “vintém poupado, vintém ganho”. Isso não será pra nós, donos de outra e mais rápidas filosofias.

E agora ajunte calma pra me escrever mais longamente, mate saudades, como se dis. Mate as minhas, que na sua letra escuto sua voz e a voz, doce murmúrio, de Raquel Bastos ao lado, conversando. Se for completa a intimidade assim e me abranda os abraços deste ano de trabalho formidável.

Com a amizade verdadeira

Do

Mário de Andrade

S. Paulo

12/III/34

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