Dia 1:
Já eram quase nove da noite na delegacia da policia civil, quando o
comissário Gomez escancarou o pé na porta e assustou o investigador Paulo, qual
estava entediado na sua sala jogando paciência na frente do computador:
- O caso é nosso, Paulo! O caso é nosso!
O investigador Paulo estava sentindo o coração quase pular da garganta
com o susto que levou, mas tentou manter a calma falando com uma trêmula voz:
- Que caso, Gomez?
- O caso dos suicídios... os federais largaram ele e deixaram pra gente.
- Aqueles suicídios coletivos? Nossa, vamos ter muito trabalho pela
frente.
O tom da voz de Paulo era de tédio, mas o comissário apertou os olhos
para o investigador e falou com a voz convicta:
- Só nós dois vamos trabalhar no caso, como nos velhos tempos.
O investigador Paulo sorriu ao lembrar-se da época em que Gomez era seu
colega de investigação. Desde que foi promovido a comissário, Gomez não tinha
mais tempo para um caso, ele só tinha tempo para encabeçar vários.
- E os outros setores? Como ficarão sem você? – indagou o investigador,
ainda com a voz trêmula.
- Deixei a investigadora Melo e a escrivã Dias encarregadas, elas
saberão o que fazer. Esse caso será só de nós dois, parça.
Paulo levantou-se rapidamente de sua cadeira, que fez um engraçado
barulho de peido e cumprimentou de forma épica o comissário Gomez. Os dois se
olharam durante alguns segundos, o olhar era desafiador.
- Você será o perito investigador e eu reunirei as informações que você
trouxer a mim. Você será o corpo e eu o cérebro, estamos entendidos, Paulo?
Os dois ainda estavam com as mãos dadas, o investigador sorriu e falou:
- Como nos velhos tempos. – o cumprimento logo virou um abraço. – Vou
dar o melhor de mim, já fazia tempo que eu queria sair desse muquifo. Sinto
como se tivesse sentado a bunda nessa cadeira por anos.
O celular do comissário tocou e ele em seguida atendeu.
- Alô?... Sim, é o comissário Gomez aqui... sim... uhum... sim...
hmmmm... ok! Estou enviando minha equipe. – o comissário desligou a chamada,
olhou para Paulo e retomou – Já tenho trabalho para você. Vá na quinta avenida,
na esquina do posto. Um prédio azul, apartamento 408. Enforcado com um cinto.
- Meu Deus, já é o segundo essa semana... E olha que a semana começou
ontem! Tudo bem, Gomez, já estou a caminho.
O comissário assentiu e foi até a sala dele. Enquanto isso o
investigador botou a pistola calibre 38 que estava na sua gaveta em seu coldre
axilar, encobriu o corpo por um negro sobretudo e tomou rumo de seu novo caso.
Quando saiu para a rua o investigador de pronto acendeu um cigarro e ao
tragar a nicotina pensou consigo mesmo: “como eu precisava disso... não sei
como sobrevivo trancafiado 8 horas numa sala sem fumar... maldita lei
antifumo.”.
Paulo gostava de fazer o trajeto caminhando, pois trabalhava numa cidade
pequena e um carro seria desperdício de gasolina e de tempo. Além disso, a
brisa do vento litorâneo o fazia pensar melhor.
Dez minutos e três cigarros fumados depois ele chegou ao seu destino.
Apresentou o distintivo para o porteiro e subiu até o apartamento 408. Chegando
lá viu que seus colegas tinham se dado o trabalho de interditar a área. “Muito
bom” ele pensou.
Seus colegas também já haviam partido. Afinal, o caso era só dele e do
comissário. Estava então sozinho no apartamento, ao menos era a única pessoa
viva lá. A sombra do defunto se apresentava no corredor, o corpo estava no
banheiro.
O banheiro estava bem limpo, analisou Paulo. A única sujeira estava no chão
um pouco antes da banheira e vinha do sangue que escorria da boca do defunto
que estava com o pescoço pendurado por um cinto no box. O investigador analisou
o corpo e não achou nada de anormal, aquilo era um suicídio, sem sombra de
dúvidas. Ao analisar os pés do moribundo (só por via das dúvidas) Paulo
não pôde deixar de notar um pequeno pedaço de papel, um pouco molhado, dentro
do box, quase no ralo da banheira.
Paulo retirou duas pinças do bolso dianteiro de seu sobretudo e pegou o
papel com elas. Abriu o pequeno papel e uma letra legível, escrita com uma caneta
azul dizia ao leitor: “Eu achei o sentido da vida.”.
- Intrigante... – sussurrou para si mesmo, botando o papel num saquinho
de evidências.
O investigador fez uma inspeção geral no apartamento e não encontrou
nada de relevante nele. Voltou à delegacia com apenas um papel como evidência e
com menos seis cigarros na carteira.
- Era só isso que tinha lá? – indagou Gomez, analisando o pedaço de
papel com uma lupa, enquanto o manuseava com as mãos, protegidas por um par de
luvas.
- Sim.
- O corpo apresentava sinais de lesão, além da cinta que apertava o
pescoço?
- Não, Gomez. Foi suicídio, pode ter certeza.
- Eu não quero perder pros federais... Tem que ter algo a mais nisso! –
o comissário olhou para Paulo, depois de alguns segundos voltou sua atenção ao
pedacinho de papel – É muita gente se suicidando em muito pouco tempo. Alguém
está envolvido nisso e eu quero saber quem! Esse bilhete tem a ver com ele,
pode ter certeza, Paulo!
- Também achei isso, comissário, mas não havia sinal nenhum de lesão no
corpo. De qualquer jeito amanhã teremos resposta do IML, a perícia deles é
minuciosa.
- Assim espero, meu caro Paulo... assim espero. –
Gomez sussurrou mais para si mesmo do que para o colega, largou a lupa, tirou
as luvas e acenou para Paulo. Aquele dia de trabalho havia acabado.
Dia 26:
Já eram 06:30 da manhã daquele dia? O despertador acabara de tocar
e o investigador Paulo não lembrava mais da última boa noite de sono que tivera
desde que ele e seu companheiro comissário Gomez pegaram o caso dos suicídios.
A partir do caso as suas noites de sono só estavam piorando. Não se sentia bem
há dias.
Tentou lembrar da sua última boa noite de sono, mas ele só acabava
pensando nas noites que tinha passado com ela... Adriana. Lembrou do quanto
suas noites eram tranquilas ao seu lado. Sentia saudades daquele tempo.
Paulo levantou da cama com a cabeça pesando de sono, pesava muito mais
do que quando ele tinha ressaca. Vestiu sua roupa, a mesma que usara ontem
durante a investigação, ainda fedia a cigarro. Foi no banheiro e só jogou água
no rosto, para ver se a dor de cabeça passava. Não passou.
Foi batendo pernas até o seu trabalho e no caminho fumou três cigarros.
Ao entrar na sala de Gomez, seu chefe falou sem nem ao menos olhar para a sua cara:
- Você precisa maneirar no cigarro, Paulo. Isso vai acabar te matando.
- Minha cabeça tá me matando, cara.
- Quer tirar o dia de folga?
- Você está louco? Mais duas pessoas, no mínimo, devem ter se matado
aqui na região.
Gomez olhou para o amigo com pesar, ele sabia que era verdade. Não houve
tempo mais sombrio do que esse durante a sua vida. As pessoas estavam se
matando sem motivo aparente há quase um mês. Todos os dias! E o que era mais
engraçado, todas elas deixavam algum tipo de aviso em comum: “O sentido da
vida”.
- Achou algo do “sentido da vida” ontem? – indagou Gomez, coçando sua
barba ralada.
- Ah, sim. – Paulo respondeu já tirando dois bilhetes do bolso. – Os
dois casos de ontem tinham bilhetes que falavam sobre isso.
- Deixe-me analisá-los.
O investigador entregou os bilhetes para o Comissário e saiu de lá para
fumar, mas antes disse:
- Sabe, Gomez... eu andei me lembrando da Adriana e...
- Poxa, é sério isso, Paulo? Aquela vadia só acabou contigo, cara!
- É... é isso mesmo...
Então Paulo saiu da sala do comissário de uma vez por todas, ainda
pensando na Adriana e com o cigarro entre os dedos.
- Paulo, vem aqui! – o investigador ouviu Gomez de sua sala. Apagou o
cigarro e foi até lá.
- Achou alguma coisa, parça?
-Ah, não. Os bilhetes não falam nada com toda essa poesia, mas acabou de
acontecer de novo. Vá em direção do centro, eu te passo o endereço certinho via
Whatsapp.
- Tudo bem, comissário.
Paulo foi a passos largos em direção ao centro e em menos de um minuto
sentiu o celular vibrar, Gomez já havia lhe mandado o endereço. Ele foi até o
endereço solicitado.
Chegando lá, em uma casa com o pátio grande e com diversas viaturas a
frente ele não hesitou em entrar. Mostrou o distintivo para os colegas e não
precisou analisar em nada para saber que o suicida havia usado a espingarda que
estava caída ao lado do corpo com a cabeça explodida. Paulo olhou pela casa em
busca de um bilhete, revirou as gavetas, procurou nos lugares mais inusitados,
mas não o achou.
- Com licença - falou à legista que estava examinando o corpo e começou
a revirar os bolsos ensanguentados do moribundo.
- Mas o que é isso? – indagou à legista.
Paulo deu um sorrisinho e mostrou o bilhete que estava no bolso traseiro
do corpo morto.
- É só isso que eu quero. Podem continuar a perícia.
O investigador saiu de lá esperançoso. Aquele bilhete era diferente dos
outros, ele abriu mais uma vez para lê-lo.
“O sentido da vida pode ser vivido por todos nós.
S. A.”
- Esse deve ser o nome da seita desses cretinos. – disse Paulo, já na
sala de Gomez, enquanto o comissário lia o bilhete.
- Nah, S. A. são as iniciais do morto: Samuel Altemir.
- Ah, que merda! Nunca vamos saber o que está acontecendo! – lamentou
Paulo, chutando uma cadeira.
- Se acalme, deve ser uma moda nova. Esses jovens sempre inventam alguma
coisa.
- Pode ser isso, Gomez. Mas eu também não estou muito bem, sabe?
- Cara, que frescura.
- É sério, Gomez. Eu não estou muito bem.
- É por causa da Adriana? Tá saindo de novo com aquela vadia?
- Não, cara. Vai ver é só frescura mesmo.
- É... isso é besteira. Te vejo amanhã no trabalho, Paulo.
- Sim, eu vou ficar aqui trabalhando mais um pouco, Gomez.
- Tudo bem, estou gostando de ver, investigador! Haha! Até amanhã!
Paulo sorriu e tirou a pilha de papéis que havia do caso e botou sobre a
mesa de Gomez. Tentou entender o que era tudo aquilo. Ficou horas a fio
investigando o caso.
Eram quatro horas da manhã quando o Comissário Gomez sentiu o celular
vibrar do lado da cabeceira da sua cama, enquanto dormia. Acordou no supetão
com aquilo e viu a tela do aparelho acesa.
“Quem quer falar comigo a essa hora da madrugada?” pensou ele.
Pegou o celular e viu uma mensagem de texto vinda de Paulo.
Gomez pareceu acordar com aquela mensagem e botou a sua roupa o mais
rápido possível. Foi ao banheiro e fez tudo que devia fazer com muita pressa.
Calçou os sapatos e foi correndo em direção ao trabalho. Em menos de dez
minutos chegou lá, mais ofegante do que nunca. Destrancou a porta da delegacia
com as mãos trêmulas e abriu a porta de sua sala no supetão, mas ficou em
choque com o que viu.
O corpo de Paulo estava no chão, banhado de sangue. Ele havia se dado um
tiro na cabeça, a arma estava na sua mão direita e o sangue saía do buraco que
perfurava o seu crânio.
Na
mão esquerda estava o celular com a tela ainda acessa mostrando a mensagem que
ele havia mandado cerca de dez minutos antes:
“Encontrei o
sentido da vida!”